Opinião

IEDA GOMES: Gás natural e competitividade no Brasil e nos EUA

Brasil precisa desenvolver mercado para não perder indústrias para os norte-americanos

Por Ieda Gomes

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O preço do gás natural nos Estados Unidos (Henry Hub) tem estado abaixo de US$ 3/MMBtu desde 2015. Segundo as projeções do Departamento de Energia do governo norte-americano, os preços deverão se manter estáveis nos próximos dois anos, em média US$ 3,01/MMBtu em 2018 e US$ 3,11/MMBtu em 2019. Por força da dinâmica dos preços baixos nos EUA, os preços no Canadá, no ponto de injeção do sistema de gasodutos TransCanada têm oscilado entre US$ 0,29/MMBtu a preços negativos, em maio e abril de 2018.

A despeito desses preços relativamente baixos, a produção de gás nos EUA não para de crescer; em 2017 foi de 2,1 bilhões m3/dia, devendo atingir 2,3 bilhões m3/dia em 2018.

A abundância de suprimento de “shale gas” e a estabilidade de preços baixos são fatores preponderantes para o ressurgimento da indústria química nos EUA. De acordo com levantamentos periódicos do American Chemistry Council, cerca de 325 projetos industriais estão sendo desenvolvidos ou comissionados, com um valor total de US$ 194 bilhões, dados de abril 2018. Esses projetos deverão gerar 845 mil empregos diretos e indiretos e um valor agregado de US$ 337 bilhões. A maior parte desses projetos destina-se à exportação de produtos químicos e produtos plásticos.

O gás natural no Brasil dificilmente poderia competir com o gás norte-americano na corrida para atrair investimentos petroquímicos.

Na maior parte dos países onde o gás é abundante e onde existe uma ampla infraestrutura de transporte, processamento e distribuição, isso se deu a partir do desenvolvimento de bacias terrestres de gás não-associado. Esse é o caso dos EUA, Rússia, Canadá, Argentina, Paquistão e Holanda. No Reino Unido, apesar do gás natural ser produzido offshore, o país já contava com uma enorme infraestrutura desenvolvida a partir de gás de carvão.  No caso do Brasil, o investimento em exploração de bacias terrestres tem sido muito baixo e, ao contrário dos EUA, não se tem um conhecimento aprofundado dessas bacias porque, a partir da década de 70, a produção passou a ser direcionada para áreas produtoras offshore, onde o gás natural é um mero coadjuvante, associado ao petróleo.

A despeito das boas intenções e do engajamento de profissionais e entidades, o Gás para Crescer parece ter sucumbido, como tantos outros programas de gás iniciados desde a década de 80, ao inexorável realismo do período eleitoral.

A demanda de gás nos segmentos não termelétricos no Brasil segue relativamente estagnada desde 2013, enquanto que a demanda termelétrica, caiu de uma média de 45,9 milhões de m3/dia em 2015, para cerca de 26 milhões m3/dia nos primeiros dois meses de 2018.  A produção de gás tem crescido expressivamente, graças ao gás associado do pré-sal, mas cerca de 30% da produção em 2018 vem sendo reinjetada, por falta tanto de infraestrutura como de demanda.

Com tanto gás sendo reinjetado, se o Brasil seguisse uma lógica de mercado, seria de se esperar que isso viabilizasse a construção de nova infraestrutura para levar gás aos consumidores e,  com o aumento da produção, esse gás deixaria de ser reinjetado e seria ofertado a preços mais competitivos.

Mas, além dos preços do gás produzido no Brasil serem mais do que o dobro do preço nos EUA -  US$ 7,8-8,8/MMBtu em fevereiro de 2018 (city-gates) - o preço do gás doméstico é também mais elevado do que o preço do gás importado da Bolívia (US$ 6,5/MMBtu). O gás produzido no Brasil é mais caro do que o GNL importado, que situou entre US$ 6,56 e 6,74/MMBtu em 2017 e 2018. O que leva a crer que a Petrobras está cobrando preço de GNL regaseificado pelo gás doméstico, embora pudesse praticar preços mais baixos, se o objetivo final fosse o desenvolvimento do mercado de gás e em consequência, a maior competitividade para a indústria e outros segmentos.

Na Argentina, em que pesem todos os problemas econômicos, passados e presentes, bem como a intervenção frequente do governo nos preços dos combustíveis, existe um número expressivo de 52 produtores independentes, além da YPF. Em 2016 foram perfurados 1.098 poços de petróleo e gás na Argentina, contra apenas 259 no Brasil. Em 2016, o Brasil não perfurou nenhum poço pioneiro em terra.

Enquanto o Brasil não investir no melhor conhecimento do potencial das bacias terrestres,  no desenvolvimento de produção independente de gás e no marco regulatório para o setor, vai ser muito difícil evitar que os investidores se mudem para o hemisfério norte.

*Ieda Gomes é uma consultora independente do setor de petróleo e gás e membro do conselho de administração de empresas internacionais do setor de energia, infraestrutura e certificação

Outros Artigos