Opinião

Cavalo de Tróia

Política de preços da Petrobras para os derivados destrói, por dentro, a capacidade de resistência da empresa ao desmonte em curso

Por Redação

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O crescimento da economia brasileira foi orientado por suas raízes históricas e colonialistas. Até o fim do século XIX, o Brasil ombreava com as principais economias do planeta, porém a elite aristocrática dominante, espelhada na “belle époque” europeia, e uma população majoritariamente pobre e despreparada dificultaram a introdução dos modernos meios de produção e do desenvolvimento tecnológico decorrentes da 2ª revolução industrial. Essa condição permaneceu até meados do século XX, época em que toda a riqueza brasileira era formada por produtos agrícolas e florestais, pela produção e exportação de matérias-primas minerais e por uma indústria incipiente de manufaturas com baixo valor agregado.

À época da instituição da Petrobras, em 1954, a quase totalidade dos derivados de petróleo consumidos no País era importada. A partir da criação da empresa, foram estabelecidos os objetivos de autossuficiência na produção de combustíveis e de garantia do suprimento do nosso mercado, dentro de uma perspectiva de crescimento acelerado da economia brasileira. Esses objetivos foram alcançados com a entrada em operação da Refinaria Henrique Lage (Revap), em 1980. Desde então, o abastecimento de combustíveis passou a ser garantido pela Petrobras e, sempre que a demanda interna exigiu, a estatal promoveu a complementação dos volumes adicionais necessários.

O desenvolvimento do setor de petróleo constituiu, portanto, uma exceção e um ponto de inflexão na história da economia brasileira. Contrariando a vocação herdada do período colonial − exportar matérias-primas e importar produtos acabados −, o Brasil passou a importar petróleo e a agregar valor ao produto no parque de refino nacional. Além de uma enorme economia de divisas, ocorreu, na esteira desse processo, um extraordinário crescimento da indústria e da engenharia nacionais, com expressiva elevação dos níveis de emprego e renda do setor.

Vemos hoje, no entanto, que a Petrobras abandonou este papel a partir de 2016, quando adotou uma política de preços que favoreceu, diretamente, a importação de derivados por agentes competidores, em especial, a Ultrapar (Ipiranga) e a Raízen (Shell). A importação de diesel e gasolina a partir dos EUA atingiu mais de US$ 4 bilhões no período de janeiro a outubro de 2017, três vezes o valor importado em 2015, tornando-se o principal item de exportação americana para o Brasil. Já o parque de refino nacional vem mantendo uma injustificável ociosidade média da ordem de 500 mil bpd, enquanto as importações de diesel e gasolina atingem 350 mil bpd. As exportações de petróleo, por outro lado, subiram 39%, mostrando que estamos exportando óleo cru e importando derivados, uma contradição e um retrocesso sem precedentes.

Perde a Petrobras e perde o Brasil. É inadmissível que, com liberdade para fixar preços, a administração da companhia aceite a condição extremamente desvantajosa de exportar petróleo e manter o parque de refino ocioso. O custo do petróleo produzido pela empresa não varia com os humores do mercado internacional e, portanto, oferece margem suficiente para uma política de preços que proteja as cotas de participação da companhia no mercado interno. A decisão de retirar a Petrobras do setor produtivo de biocombustíveis piora, ainda mais, o quadro descrito, pois transfere a empresas concorrentes participações importantes, atuais e futuras, nos mercados de gasolina e diesel. Os sucessivos aumentos dos combustíveis, a título de “acompanhar” a variação dos preços internacionais do petróleo, vêm onerando o consumidor brasileiro e estimulando a importação de derivados por agentes meramente oportunistas, que não mantêm nenhum compromisso com o abastecimento nacional.

Se a missão recebida do governo foi a de abrir espaço para outros agentes, criando condições para uma futura venda, total ou parcial, dos ativos de downstream da Petrobras, a atual administração da companhia está obtendo um extraordinário sucesso. A política de preços adotada funciona como um presente de grego, destruindo, por dentro, a capacidade de resistência da empresa ao desmonte em curso.

Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ

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